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Michel Petrucciani, ossos de vidro, vontade de ferro.


Michel Petrucciani (Orange, França, 28 de dezembro de 1962 - Nova Iorque, 6 de janeiro de 1999)
Michel Petrucciani veio de uma família ítalo-francesa com forte tendência musical.
Filho de Antoine Petrucciani, mais conhecido como Tony Petrucciani, um renomado guitarrista de jazz e seu professor de música, tendo posteriormente colaborado em vários dos seus álbuns, e irmão de Philippe, também guitarrista e Louis, baixista.
Petrucciani é, desde o seu nascimento, deficiente físico, em decorrência de uma forma severa de osteogênese imperfeita - a "doença dos ossos de vidro" ou "ossos de cristal", onde o paciente nasce sem a proteína responsável pela produção do colágeno, um importante componente da estrutura óssea. Desta forma, os ossos tornam-se quebradiços. Além da fragilidade dos ossos, a doença também afeta o crescimento. É também muitas vezes ligada a doenças pulmonares. Sua estatura era de menos de um metro, e seus ossos podiam se quebrar até mesmo pelo esforço de tocar piano. "Eu tenho dor o tempo todo. Eu estou acostumado a ter braços feridos", disse ele.
Michel teve uma infância muito complicada, com várias lesões acarretadas com a má formação de diversas partes de seu corpo. Ele tinha deformidades físicas tipicamente associadas à doença: características faciais distorcidas, queixo protuberante, olhos esbugalhados e curvatura da coluna vertebral. Pernas e braços contraíram-se, e era impossível para Michel caminhar, tendo que ser carregado por seu pai e seu irmão, tornando-o uma criança muito solitária, sem amigos e sem muito com que se divertir. Além disso, sofria com diversos problemas pulmonares. Seu pai fabricou para ele um dispositivo para elevar os pedais do piano.
Em certos aspectos, ele considerava sua deficiência uma vantagem por tê-lo livrado de distrações, como esportes, que outros meninos tendem a se envolver. E ele dá a entender que sua deficiência era útil em outros aspectos de sua vida: "Às vezes, eu acho que alguém lá em cima me salvou de ser normal" .
Desde o início, Petrucciani sempre foi musical, cantarolando solos de Wes Montgomery enquanto aprendia a falar. Começou aos quatro anos tocando bateria, mas logo se apaixonou pelo piano ao ver um especial sobre Duke Ellington na televisão. Gostava de contar que pediu aos pais um piano igual ao de Ellington, mas ganhou um de brinquedo. Não escondeu seu desapontamento, teve um ataque de raiva, destruiu o presente e acabou ganhando um velho piano encontrado abandonado nas instalações de uma antiga base militar. O som era horroroso, mas nele Petrucciani descobriu sua vocação.
Foi inicialmente influenciado por Bill Evans e um pouco menos por Keith Jarrett, antes de desenvolver sua própria identidade musical.
O primeiro concerto de Petrucciani foi realizado em 1975, quando ele tinha treze anos.
Petrucciani sentiu que precisava viajar para Paris para começar a sua carreira musical, mas encontrou dificuldades para sair de casa. Seu pai era protetor, constantemente preocupado com o bem-estar de seu filho e relutante em colocá-lo em perigo.
Independentemente disso, com a idade de quinze anos, Petrucciani fez para Paris. Lá, ele tocou com Kenny Clarke em 1977 e Clark Terry em 1978.
Aos dezessete gravou seu primeiro disco, Flash. Seu segundo disco, Darn that dream, foi um grande sucesso. Participaram seus irmãos Philippe e Louis. Neste disco, Petrucciani gravou pela primeira vez uma música brasileira, Corcovado, de Tom Jobim e foi o início de uma grande paixão.
Os três discos seguintes consolidaram sua fama: Michel Petrucciani trio, Oracles destiny (solo) e Toot sweet.
Petrucciani excursionou pela França com Lee Konitz atuando em duo (1980) e dois anos depois se mudou para os Estados Unidos.
Durante uma turnê pela Califórnia, em 1981, encontrou o sax-tenor Charles Lloyd, então aposentado. Petrucciani conseguiu convencê-lo a voltar à ativa. Os dois fizeram uma apresentação consagradora no Festival de Montreux de 82.
1983 foi o ano em que conquistou definitivamente o público e abriu seu espaço no mercado americano.
Petrucciani mudou-se para Nova Iorque em 1984 e passou o resto de sua vida lá. Este foi o período mais produtiva de sua carreira. Gravou um disco ao vivo no lendário Village Vanguard, começou a percorrer regularmente o circuito dos festivais internacionais e manteve uma produtiva relação de trabalho com o baixista Charles Haden, o trompetista Freddie Hubbard e o guitarrista Jim Hall. Sua apresentação no Festival de Montreux de 1986 resultou num disco antológico, talvez o melhor de sua carreira, Power of Tree.
Em 1986, Petrucciani gravou um álbum ao vivo com Wayne Shorter e Jim Hall. Ele também tocou com diversas figuras da cena do jazz dos EUA, incluindo Dizzy Gillespie.
Ele foi o primeiro músico de jazz francês a ser contratado pela lendária gravadora Blue Note e seus discos lançados ali, como “Live at the Village Vanguard” (1984), “Michel Plays Petrucciani” (1989), “Live” (1991) e “Promenade With The Duke” (1993), se alinham entre os melhores de sua extensa discografia.
A música brasileira foi parte importante na arte de Petrucciani. Foi através da pianista Tania Maria, mulher de Eric Kresmann, empresário de Petrucciani, que ele conheceu músicos brasileiros como Milton Nascimento, Laurindo de Almeida (com quem tocou), João Gilberto, Johnny Alf e Hermeto Pascoal. Ficou encantado quando ouviu Elis Regina e para homenageá-la compôs Regina.
A cantora Joyce, que foi sua amiga e conviveu de perto com ele, conta: “Passamos uma divertida noite no apartamento dele na 12th Street. Nessa noite ele propôs ao Tutty: ‘você é alto e forte, mas é gago; eu sou deficiente e só tenho 1,20m, mas falo pra caramba. A gente podia fazer uma dupla’. Michel era genial, mesmo com sua língua de trapo e sua compulsão por mulheres, drogas e bombons. Chegamos a planejar um disco ou uma parceria juntos, que nunca se materializou”.
Ele era conhecido por ser brincalhão, de personalidade alegre, até mesmo arrogante. Gostava de se vestir com roupas espalhafatosas. Sua ruidosa gargalhada era famosa entre o pessoal do jazz. Tocava como se estivesse em transe e costumava afirmar que "é preciso ser forte para fazer com que o piano se sinta pequeno. Conseguir isto exige muito trabalho".
Na vida amorosa, Michel se revelava um verdadeiro sedutor. Ele teve cinco relações significativas: Erlinda Montano, para quem compôs “To Erlinda”, Eugenia Morrison, Marie-Laure Roperch, a pianista italiana Gilda Buttà e Isabelle Maile. Com Marie-Laure ele foi pai de Alexandre, que herdou sua condição. Ele também tinha um enteado chamado Rachid Roperch. Além disso, era um farrista incorrigível e, além das mulheres, também apreciava o álcool e as drogas.
Na década de 80, recebeu várias homenagens: o jornal Los Angeles Times escolheu o pianista como “Jazzista do Ano”, em 1983. Pouco tempo depois, também seria escolhido como “Melhor Músico de Jazz Europeu”, pelo Ministério da Cultura da Itália e, na terra natal, recebeu o importante “Prêmio Django Reinhardt”. Já era, então, um artista mais do que consagrado.
No final de 1990, seu estilo de vida o tornou cada vez mais exigente. Musicalmente, ele estava trabalhando num ritmo frenético. Ele fez mais de 100 apresentações por ano e, em 1998, um ano antes de morrer, ele se apresentou 140 vezes. Durante este período, ele também começou a beber muito e experimentar cocaína. Ele se tornou muito fraco para usar muletas e teve que recorrer a uma cadeira de rodas. Ele estava trabalhando muito, não só gravando e fazendo shows, mas estava sempre na televisão fazendo entrevistas.
Em 1992, Petrucciani fez uma aclamada excursão pela Europa, tocando em dueto com o pai, Antoine, em uma turnê que recebeu o sugestivo nome de “Tal pai, tal filho”. Dois anos depois, receberia mais uma importante homenagem: o título de Cavaleiro da Legião de Honra, uma das mais prestigiosas comendas concedidas pelo governo da França.
Em dezembro de 1998, a EMI lançou no mercado americano sete discos que Petrucciani gravou entre 86 e 94 para o famoso selo Blue Note
Michel Petrucciani morreu de uma infecção pulmonar, em 6 de janeiro de 1999, no hospital Beth Israel, em Nova Iorque, logo após seu 36º aniversário. Ele foi enterrado no Le Père Lachaise em Paris.
Em 12 de fevereiro de 2009, o canal de música francesa Mezzo transmitiu um evento especial em homenagem ao Petrucciani no 10º aniversário de sua morte.
Embora muitas vezes ele exibisse arrogância e petulância, sua característica definidora acabou por ser a sua grande e improvável confiança.
O que se sabe com certeza é que Michel Petrucciani foi ferozmente determinado a levar a vida com toda a alegria e satisfação que  podia. "Eu sou um moleque", disse ele. "Minha filosofia é ter uma vida boa e nunca deixar que nada me impeça de fazer o que eu quero fazer”. Ele certamente viveu fiel à sua máxima. Apenas uma semana antes de morrer, ele estava acordado a noite toda celebrando o ano novo com seus amigos.
O grande sonho que Michel não conseguiu realizar foi criar uma escola internacional de jazz na França.
Michel Petrucciani superou os efeitos da doença óssea para se tornar um dos pianistas de jazz mais talentosos de sua geração
Em 2011, o inglês Michael Radford dedicou-lhe o documentário Michel Petrucciani - Body & Sou.












Fontes:
Michel Petrucciani na Wikipédia
Michel Petrucciani na Wikipédia, em inglês
Michel Petrucciani: jazz pianist & composer
Michel Petrucciani, legendary jazz pianist
A Little Respect: Michel Petrucciani - The Power of Three [1986], por Mairon Machado
Morre o pianista Michel Petrucciani, da Folha Online
Ossos de vidro, vontade de ferro, por Érico Cordeiro

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