domingo

Ossos de cristal: doença impõe poder de superação

Osteogênese imperfeita,causada pela deficiência do colágeno,
exige tratamento multidisciplinar por toda vida

Logo depois de nascer, a pequena Maria Eduarda, hoje com sete anos, deu um grande susto na avó. "Fui pegar o bebê no colo e, ao levantá-la pelas axilas, ouvi um estalo", conta a avó da garota, Cleide Cunha. Como a menina não parava de chorar, foi levada ao hospital. No raio-x, uma fratura nítida. No rosto dos médicos, a desconfiança. "Eles voltaram dizendo que a menina tinha sido espancada". Mal-entendido desfeito, o susto foi maior ainda: encaminhada ao Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (Imip), a criança foi diagnosticada como portadora de osteogênese imperfeita, uma doença genética que causa a fragilidade dos ossos. Comprometidos pela deficiência do colágeno, responsável pela sua consistência e resistência, eles quebram ao menor impacto. Ou até de forma espontânea, como acontece nos casos mais graves.
Maria Eduarda tem apenas sete anos de idade
e já fraturou ossos mais de 60 vezes.
Foto: Alexandre Gondim/DP.
Donos de ossos de cristal, como costumam designar os médicos, portadores da doença não raro contabilizam dezenas de fraturas sofridas já na primeira infância. Em sete anos, Maria Eduarda já quebrou os ossos mais de 60 vezes. Mas quem imagina uma vida cheia de limitações e cuidados excessivos nem de longe tem a noção do poder de superação de quem, desde o útero materno, tem que conviver com os perigos oferecidos por mínimas pancadas.
Uma situação real que costuma espantar até quando é um assunto tratado na ficção, como aconteceu no filme Corpo fechado. Na história, dirigida pelo cineasta M. Night Shyamalan, o personagem Senhor Vidro (Samuel L. Jackson) é atormentado pela verdadeira coleção de fraturas sofridas desde criança. Mas nem uma rotina de gesso e hospitais e cirurgias é capaz de roubar a alegria espontânea de crianças que sofrem da osteogênese imperfeita.
Para Maria Eduarda, o que poderia ser um grande empecilho não a impede de viver uma rotina quase normal. "Os médicos diziam que ela não andaria, mas hoje ela se locomove sozinha com a ajuda de muletas, brinca, estuda e já sabe ler e escrever. Ela é feliz como qualquer outra criança, só não pode fazer tudo que uma criança sem a doença faz", comemora a avó. Para ela, dar liberdade à neta funciona bem mais do que impor cuidados excessivos. "Assim ela aprende a criar seus próprios limites", defende.
Como é uma doença genética, não há como se prevenir a osteogênese imperfeita. Também não há cura conhecida. Mas um medicamento usado de forma profilática tem ajudado a reduzir o número de fraturas e o sofrimento dos doentes. Trata-se do pamidronato dissódico, uma droga aplicada em sessões a cada três ou quatro meses. "O pamidronato consegue deixar os ossos mais fortes, o que é fundamental para a qualidade de vida dos pacientes com osteogênese imperfeita", diz a endocrinologista infantil do Imip Jacqueline Araújo. O medicamento, que chega a custar R$ 800,00, é custeado pelo Sistema Único de Saúde para os centros de referência no tratamento da doença.
Além disso, segundo Jacqueline, há estudos que envolvem o uso do hormônio do crescimento. Os resultados, no entanto, ainda são controversos. "A osteogênese imperfeita exige um tratamento multidisciplinar que envolve o acompanhamento por diversas especialidades e fisioterapia", defende o ortopedista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco Jairo de Andrade Lima. Paralelamente aos cuidados profiláticos, os pacientes também têm que se submeter com freqüência a cirurgias para correção de fraturas e deformidades nos ossos.

Pernambuco tem centro de referência
Pernambuco é um dos dois únicos estados do Nordeste a ter um centro de referência para o tratamento da osteogênese imperfeita. A unidade funciona no Instituto de Medicina Materno Infantil Professor Fernando Figueira (Imip) e garante o tratamento de pelo menos vinte portadores da doença. Comemorada pelos integrantes da Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta (Aboi), a criação do centro, além de permitir a abordagem multidisciplinar de que os doentes precisam, também viabiliza as aplicações do pamidronato dissódico para os pacientes que necessitam de tratamento com a droga.
"Nossa posição é relativamente confortável se pensarmos que na maior parte dos estados não há um centro especializado na rede pública", pontua o representante do grupo de portadores da doença em Pernambuco Carlos Galvão. Para ele, no entanto, ainda há alguns pontos que precisam ser considerados. "Se pensarmos nos pacientes do interior, é fácil imaginar a dificuldade de locomoção até o Recife, onde fica o centro", afirma. O setor dispõe de dois leitos e capacidade de absorver mais pacientes do que os que se encontram atualmente em tratamento.
Para Galvão, outra luta é pela divulgação da doença e pelo fortalecimento do grupo de pacientes. Estimativas dão conta de que 400 pessoas sejam portadoras da osteogênese imperfeita em Pernambuco. Os doentes também enfrentam problemas como a impossibilidade de realização de alguns exames como a densitometria óssea em menores de cinco anos por conta de problemas técnicos nas máquinas.

fonte: Diário
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